09 setembro 2011

A LEITURA DA BÍBLIA AO LONGO DOS SÉCULOS - "AS ESCRITURAS LIDAS E ATUALIZADAS POR JESUS"





AS ESCRITURAS LIDAS E ATUALIZADAS POR JESUS


Desde muito tempo os atos de apreender, de interpretar e de ensinar eram diversos. Na época em que Jesus viveu tal realidade não era diferente no que se referia à doutrina, à Lei, assim como aos Textos Sagrados: havia modos e modos de se ler, ensinar, aprender, rezar e viver o conteúdo presente nos textos da Escritura.
Cada grupo: os pobres, os homens doutos, as mulheres e as famílias, tinham seu jeito exclusivo, comumente pela tradição oral, de transmitir o que assimilaram com o passar dos anos por meio de seus pais. O mesmo pode-se afirmar sobre a pessoa de Jesus (Mosconi, 2002, p. 41).
Jesus de Nazaré trouxe consigo uma possibilidade diferente de se assimilar e interpretar os Escritos Sagrados. Sua vida foi normal, como de qualquer outro judeu. A única divergência dá-se por sua condição de Filho de Deus e de enviado ao mundo para revelar os desígnios do Pai à humanidade.
Acerca dessa semelhança com os homens de seu tempo e sobre sua intervenção neste mundo, Konings assegura, respectivamente, que “Jesus foi um homem do povo” (1999, p. 130) e que sua “atuação segue a linha profética” (1999, p. 131).
O processo de educação pelo qual passou Jesus, além de fundar-se nas experiências do cotidiano (trabalho, doença, pobreza, cultura, religião e Lei) tem sua raiz no desejo do Pai do Céu: “Que todos tenham vida e a tenham abundantemente” (Jo 10,20).
Sua atitude, seu modo de lidar com o povo, de encontrá-lo e de relacionar-se com ele exprimem uma atualidade e um caráter inovador, até então nunca compartido, coerente com sua proposta de amor e libertação. Essa postura era possível graças ao midrash[1] vivencial que norteava sua interpretação da Palavra e das Leis. Ou seja, com seus procedimentos explicava ao povo o significado das escrituras.
Um demonstrativo claro de sua reinterpretação pode ser tomado no Evangelho de Marcos (Mc) 2,27, quando Jesus questiona as autoridades quanto ao sentido originário do Sábado: “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”.
É evidente que tal ensejo do Homem de Nazaré contrariava a convicção e o rigorismo exacerbado dos chefes religiosos de seu tempo. Isso propiciou um confronto forte e tenso entre ambos, cujo fim fez-lo pender ao alto do madeiro. Mosconi ressalta que “Jesus condenou e desmascarou duramente a interpretação legalista e racista das Escrituras” (2002, p. 42).
Diversos grupos de seu tempo como, por exemplo, os Saduceus[2], os Escribas[3], os Zelotas[4] e os Fariseus[5] que, tal como Jesus, tinha certa liberdade em conduzir a Lei. No entanto, a diferença entre eles estava evidente no modo como a praticavam e na maneira como a propunham aos seus seguidores, pois “Jesus a utilizava para a promoção do bem daqueles excluídos de seu tempo: homens, mulheres, crianças, doentes, dentre outros (Gass, 2005, p. 163).
Assim se nota uma nova proposta de interpretação das Escrituras. Jesus é o modelo de verdadeiro intérprete da Palavra do Pai. O que comprova essa afirmação são, essencialmente, as obras realizadas em prol dos mais fracos de seu tempo. Ele sempre partiu da concretude da vida humana. Eis um significativo exemplo de aplicação daquela Palavra que se lê, que se estuda, que se celebra e que norteia o dia a dia dos fiéis, membros de comunidades eclesiais espalhados por várias localidades.
O testemunho de vida é apontado como meio e, ao mesmo tempo, como conseqüência de uma exímia interpretação das Escrituras. O fato de Jesus ter sido contrariado, difamado, perseguido, pois o mesmo ocorre com vários cristãos atualmente, não fez com que deixasse de transformar a vida de tantos homens e mulheres de seu tempo.
Esse aspecto traz em si uma atitude exigente, difícil de ser aceita hoje: realizar a vontade de Deus, pôr em prática sua Palavra com o testemunho e com a vida, mesmo diante das contingências deste mundo, cada vez mais indiferente à mensagem de Jesus. O evangelista Lucas oportuniza um sinal de como ser obedientes aos ensinos do Mestre de Nazaré: “Bem aventurados antes os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc 11,28).
Esse é um aspecto. Ele é condizente atualmente com a necessidade de se ter criatividade e de se tentar entender os conflitos, os problemas, as crises à Luz da mensagem Sagrada de Deus numa leitura de fé dessa mensagem aplicada à vida humana num processo de integração.
Por isso, a Pontifícia Comissão Bíblica juntamente com o saudoso Papa João Paulo II, afirmaram no documento nº 134: “a interpretação da Bíblia deve igualmente ter um aspecto de criatividade e afrontar as questões novas, para respondê-las partindo da Bíblia” (1994, p. 111).
Como se afirmou anteriormente, claro que de modo implícito, a vivência da Palavra de Deus a exemplo de Jesus exigirá do fiel um testemunho de vida e uma postura de abertura à conversão do coração. Este é também o desejo de Deus aos homens que, à luz de sua Palavra, buscam iluminar a sociedade onde quer que estejam atuando. Há muito a se fazer para chegar a este ideal.
Convencer-se que a Palavra de Deus é rica e eficaz é o primeiro passo. O segundo é perceber sua ardência dentro dos próprios corações, tal como Jesus fez aos discípulos de Emaús. Eles notaram enquanto caminhavam e lhes era explicada as Escrituras que seus corações ardiam (Lc 24,32).
Por fim, essa é a função da Bíblia: “aquecer os corações, gerar esperanças e fé na caminhada” (Mosconi, 2002, p.44).  


[1]Midrash ou Midraxe: invenção literária derivada de uma investigação profunda dos textos sagrados”. Tal explicação pode ser conferida consultando-se a obra de LIMENTANI, Giacoma. O Midraxe: como os mestres judeus liam e viviam a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 17-20; 22-40; e 143.
Do autor também se pode encontrar outra explicação contida na introdução dessa mesma obra acima mencionada: “o termo que deriva da palavra hebraica darash (buscar, investigar) designa um recurso pedagógico, um método interpretativo cujo objeto era preencher as lacunas Bíblicas, reconciliar as aparentes contradições no texto da Torá e reinterpretar as leis à luz das atuais condições históricas (p. 8).
[2] “Organizados no período em que a dinastia hasmonéia estava fortalecida, composto por membros da elite, mantinham o costume de seguir fielmente a Torá e podiam ser considerados ferrenhos opositores a Cristo. Eles tinham um papel fundamental no Templo de acolher as riquezas”. Cf.: SILVA, Andréia C. L. F. A Palestina no Século I d.C. Disponível em: <http://www.ifcs.ufrj.br/frasão/palestina.htm>. Acesso em 9 ago. 2011.
[3] “Antes do cativeiro empregava-se o termo escriba para significar a pessoa que tinha certos cargos no exército e também se chamava escriba, o secretário do rei, constituindo este emprego, junto das pessoas reais; de alta posição (Cf. 2Sm 20, 25; 1Rs 4, 3; 2Rs 12. 10). Em tempos mais modernos na história judaica, os escribas são chamados de intérpretes da lei, pois eram essa uma suas tarefas. No tempo de Jesus, eles foram acusados pelo próprio Cristo de ofuscarem a lei de Deus por causa de sua tradição e por ensinarem ‘doutrinas que são preceitos de homens’ (Cf. Mt 15, 1 – 9)” DICIONÁRIO Bíblico Ecumênico. São Paulo: Editora Didática Paulista, [199?]. p. 163-164.
[4] GASS, I. B. Vida e pregação de Jesus, In: Período grego e vida de Jesus. São Paulo: Paulus / CEBI, vol. 6, 2005, (Col. Uma introdução à Bíblia), p. 168.
[5] “Grupo formado em sua maioria por leigos considerados nacionalistas, eram denominados inclusive diretores espirituais do povo por que este seguia fielmente suas leis”. Quanto a isso averiguar a obra de GASS, I. B. Vida e pregação de Jesus, In: Período grego e vida de Jesus. São Paulo: Paulus / CEBI, 2005. v.6. (Col. Uma introdução à Bíblia), p.162.




 
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