25 agosto 2011

BREVE ESTUDO SOBRE A "CARTA AOS HEBREUS"


Por Edvaldo Ribeiro de Souza
Aluno do 4º período do curso de Teologia - Faculdade Católica de Pouso Alegre

1  SINOPSE 

O texto apresenta que Deus, depois de falar de vários modos, falou através de seu Filho, aquele que é o “esplendor de sua glória e expressão de seu ser” (cf. Hb 1,3). Este Filho é superior aos anjos. Para corroborar tal afirmação, são apresentadas várias passagens do Primeiro Testamento, mostrando o grande abismo existente entre o Filho e os anjos enviados a seu serviço. Por isso, os destinatários do texto devem levar mais a sério a mensagem que lhes foi anunciada.
O Filho Jesus, por se tornar inferior aos anjos ao assumir a humanidade até a morte, é glorificado. No entanto, isto não afasta Dele a prerrogativa de ser Irmão dos homens, pois aquele que torna santo e os que são santificados têm a mesma origem. Passando pela provação, Ele auxilia os que são provados, visto não vir em auxílio de anjos, mas de seus irmãos.
Ao ser feita uma comparação entre Jesus e Moisés, aquele é apresentado como superior e este como alguém que foi acreditado. Mas o primeiro é o construtor; o segundo, a casa, assim como todo homem.
Aos destinatários é pedido que permaneçam fiéis, pois que são companheiros de Cristo (cf. Hb 3,14). É quando, a partir do Salmo 95,7-11, é feita uma comparação entre aqueles que foram rebeldes à voz de Deus no deserto, e por isso não entraram no repouso prometido, e aqueles que receberam a Boa Nova de Cristo. É feita uma advertência aos últimos para que não lhes ocorra o mesmo que ocorreu aos primeiros.
Assim, a cada um que recebeu o anúncio da Boa Nova é pedida a adesão a Cristo, sumo sacerdote que foi provado em tudo, sem pecar (cf. Hb 4,15). À semelhança do sumo sacerdote (tomado do meio dos homens em favor dos homens diante de Deus), Cristo se torna, por meio do poder do Pai, sumo sacerdote compassivo, obediente e causa de salvação eterna.
Propondo-se a deixar de lado o ensinamento elementar sobre Cristo, comparando este ensinamento ao leite dado a criancinhas, é feita uma avaliação daqueles que recaíram depois de terem recebido o anúncio da fé, sendo estes comparados a terra que produz espinhos e cardos, terra sem valor e amaldiçoada. Pelo contrário, é-lhes pedido que permaneçam firmes na fé, pois Deus mostrou com evidência aos herdeiros sua decisão irrevogável, intervindo com um juramento (cf. Hb 6,17).
A esperança é, então, comparada a uma âncora, que penetra para além do véu onde Jesus adentrou, como Melquisedec, sacerdote de Deus que recebeu, mesmo não pertencendo à genealogia dos descendentes de Levi, o dízimo da mão de Abraão. Do mesmo modo, Jesus, pertencente à tribo de Judá, sobre a qual Moisés não disse algo a respeito do sacerdócio, recebeu um sacerdócio exclusivo para toda a eternidade. Assim se realiza uma aliança melhor, a nova aliança que trata de reparar a primeira, pois Ele está para sempre vivo, por se ter oferecido em sacrifício. Por isso Ele se sentou à direita do trono divino, intercedendo pelos seus, pois seu ministério é muito superior ao dos sumo sacerdotes que, obedecendo à lei, oferecem dons.
A primeira aliança carecia de ritos humanos, “aceitos até o tempo da ordem certa” (cf. Hb 9,10), e um lugar erigido por mãos humanas (a Tenda da Reunião). No Santo entravam os sacerdotes em qualquer tempo, mas no Santo dos santos somente o sumo sacerdote uma vez por ano, oferecendo sangue de animais por suas faltas e pelas do povo. Do mesmo modo, Moisés aspergiu o povo, o Livro, a tenda e todos os seus utensílios com sangue de novilhos e bodes para purificar e firmar a aliança. Jesus, no entanto, por meio de uma tenda maior e mais perfeita, não feita por mãos humanas, ofereceu seu sangue uma vez por todas para a libertação dos pecados, visto o sangue de animais não o poder fazer de modo definitivo, adentrando no céu para comparecer, em nome dos seus, diante da face divina.
Em vista de Cristo ter garantido total acesso ao santuário por meio de seu sangue, pede-se aos destinatários do texto que não esmoreçam na fé nem rejeitem o sangue da aliança, como o estavam fazendo alguns membros das assembleias. Para ressaltar a importância de uma generosa vida cristã, são lembrados os momentos de perseguição e injúria dos primórdios do anúncio da Boa Nova nas comunidades cristãs, durante a qual os fiéis permaneceram perseverantes.
A fé é tratada como muita propriedade ao longo de todo um capítulo, sendo apresentadas atitudes de personagens e fatos importantes na história da salvação: Abel, Henoc, Noé, Abraão, Sara, Isaac, Jacó, José, Moisés, a ruína das muralhas de Jericó, Raab, Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Davi, Samuel, os profetas. Por meio da fé, realizaram grandes feitos, mas não desfrutaram da promessa.
Perante as perseguições e provações, é pedido que os destinatários permaneçam firmes, mirando olhar Naquele que é o iniciador de sua fé, Jesus. A correção que sobrevém no período da perseguição é necessária, pois produz frutos de paz e de justiça. Além disso, é importante a fidelidade à vocação cristã, advertindo-se os destinatários para não deixarem de escutar Aquele que lhes falava.
Por fim, apresenta-se aspectos de uma verdadeira comunidade cristã: hospitalidade, cuidado dos prisioneiros e maltratados, respeito para com o matrimônio, desapego do dinheiro, beneficência e mútuo auxílio comunitário, obediência e submissão aos dirigentes da comunidade. São feitas, ainda, admoestações a favor dos dirigentes, contra as vãs doutrinas, e outras a respeito da transitoriedade desta vida. Encerra-se a “Carta aos Hebreus” com um voto final desejando que Deus torne os destinatários do texto aptos para fazer Sua vontade, além de uma menção de Timóteo, que fora libertado, e dos membros da Itália.

2  CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO
       A Carta aos Hebreus é um texto muito peculiar dentro da literatura do Novo Testamento. Salta aos olhos sua linguagem retórica, que, no mais das vezes, parece tentar convencer os destinatários a aderirem àquilo que é apresentado. O texto todo tem um amarramento preciso, com uma clareza lógica ímpar, visto um tema suceder ao outro sem estar desconexo com o que fora anteriormente dito.
Muitas vezes, algumas ideias são repetidas, dando a impressão de que, naquele ponto, o autor do texto quer de fato reforçar determinado aspecto da doutrina ali contida. Vale ressaltar ainda no plano lógico do texto o vasto uso de textos do Primeiro Testamento, como uma forma de apelo à autoridade do texto sagrado para corroborar aquilo que é apresentado. Uma leitura pós-pascal dos textos veterotestamentários, em outras palavras.
Do ponto de vista teológico, é interessante como são usados os textos do Primeiro Testamento com exatidão, alicerçando, assim, as ideias do ensinamento sobre Cristo, o que leva a pensar que os destinatários do texto teriam conhecimento amplo das Sagradas Escrituras.
A impressão mais profunda do texto se deu a partir das passagens que aludem ao “sacerdócio exclusivo de Cristo” e seu sacrifício que supera os da primeira aliança, abrangendo quatro capítulos. O autor consegue levar ao convencimento de que o sangue de Cristo, oferecido em expiação, é superior ao dos animais, e que Ele é aquele que precede a todos os seres humanos no santuário celeste.

 3   DADOS DO TEXTO
       Segundo se sabe, não se pode dizer com certeza se o texto em questão é uma carta, pois seu estilo literário se assemelha mais ao de sermão: seu início não tem cabeçalho de saudação e endereçamento (como nas cartas de Paulo), mas é composto por uma frase extensa de linguagem solene, característica de peças de oratória da antiguidade. O fato de usar verbos como dizer, falar, palavra, discursos, testemunhas etc. levam à dedução de que seja um texto escrito para ser dito oralmente, diferentemente de outras cartas que usam o verbo escrever.
Devido a isso e por ser escrito em grego, na Igreja do Ocidente, a partir do século II, o texto passou a ser tido como pertencente aos escritos de São Paulo. É com o Concílio de Cartago no século V que são enumeradas 14 cartas de São Paulo, o que vigorou até o Renascimento.
No entanto, a Igreja do Oriente não se manteve unânime quanto a esta condição. Alguns pensadores (como Panteno, Clemente de Alexandria, Orígenes, Eusébio de Cesareia, Cirilo de Jerusalém e Epifânio) a mantêm como parte dos escritos paulinos, apesar de, em muitos casos, manterem as dúvidas com relação à autenticidade paulina. Foi, além disso, levantada a hipótese de ter sido um secretário de Paulo quem a escrevera.
A Carta aos Hebreus é um dos textos neotestamentários cuja data não é possível aproximar. Alguns documentos, como a Primeira Carta de Clemente por volta de 96 d.C., a citam, o que leva a supor que tenha sido escrita antes do fim do século I. Mas o próprio conteúdo da carta apresenta que tanto o autor quanto seus destinatários são cristãos da segunda geração (cf. Hb 2,3). Assim, é provável que a data de redação se encontre entre os anos 65 e 70 d.C.
Os destinatários da Carta podem ter sido cristãos de origem judaica ou gentios-cristãos. O título aos Hebreus não se encontra na tradição, mas provém de uma dedução a partir de seu conteúdo. Por causa da saudação no último capítulo (cf. Hb 13,24), a qual menciona aqueles que estão na Itália, sugeriu-se que fosse possível que os destinatários fossem italianos, provavelmente de Roma, devido ao conteúdo da Carta se assemelhar em muito a escritos de origem romana (Primeira Carta de Clemente e o Pastor de Hermas). Por outro lado, sugeriu-se que fosse destinada a cristãos de Alexandria, devido à forma literária, ou aos cristãos da Palestina devido a certos pormenores (menção à perseguição e à vexação de membros, o culto judaico, a indicação do lugar onde Jesus fora martirizado etc.).
Com relação ao contexto histórico, percebe-se que os destinatários, como dito acima, são de segunda geração, tendo já perdido os seus primeiros líderes, conforme Hb 13,7. A partir do conteúdo do texto, percebe-se que vivem em um ambiente hostil a sua fé (cf. Hb 10,32-35), chegando a perder a esperança. Muitos são, também, os que apostatam (cf. Hb 10,25-29). Por isso o autor lhes pede perseverança (cf. Hb 10,35-39; 12,1-13).
Já a mensagem principal se encontra nos textos que tratam do sacerdócio de Jesus Cristo (cf. Hb 5,11–10,39), analisando-o sob três aspectos: a pertença do sacerdócio de Cristo à linhagem sacerdotal de Melquisedec, e não à de Aarão; a perfeição do sacerdócio por meio da expiação de Seu sangue; e a salvação eterna obtida pelo sacrifício de Cristo. Enquanto para Paulo Jesus garante a salvação por meio de seu senhorio (Ele é o kurioj), para a o autor da Carta aos Hebreus Ele o faz mediante seu sumo sacerdócio (Ele é o a)rxieroj).

4  REFLEXÃO TEOLÓGICO-PASTORAL

A mensagem principal do texto da Carta aos Hebreus apresenta, como dito acima, a importância do sumo sacerdócio de Cristo, mediante o qual é garantida a salvação definitiva, mesmo que Jesus não fosse membro de tribo sacerdotal (levitas), não tenha realizado oferendas sacrificais no templo, tenha se oposto aos sacerdotes, além de ter sido morto como um maldito. 
Além disso, traz uma série de orientações para a ação pastoral das comunidades cristãs atuais. Percebe-se por meio das linhas deste texto neotestamentário uma orientação importante para as comunidades de hoje: é necessário o desejo intenso para entrar em comunhão com Jesus, pois Ele é a “âncora” que sustenta a comunidade em meio às tempestades do cotidiano. Sendo esta âncora, Jesus é aquele que media e conduz a comunidade por toda e qualquer situação imersa na desesperança (problemas socioeconômicos, problemas com liderança, desestruturação etc.). É a dimensão da fé, tão anunciada pela Carta (cf. Hb 11).
Tem especial importância o capítulo 13, por meio do qual é apresentado o modelo da verdadeira comunidade, cujas características são necessárias às comunidades do século XXI: a hospitalidade para com todos os membros e para com aqueles que querem se ingressar na comunidade (v.2); a Pastoral Social e a Carcerária, cuja atuação de estende aos que sofrem males do sistema político-socioeconômico vigente e àqueles que estão presos nas cadeias de más infraestruturas (v. 3); a importância e o respeito para com o seio familiar, visto o mesmo ser a base de uma comunidade fraterna (v. 4); a importância da Pastoral do Dízimo, que ensina a partilha comunitária dos dons recebidos do Senhor Deus (vv. 5-6); o serviço dentro da comunidade (especialmente aqueles pertencentes às diversas pastorais e movimentos da Igreja), por meio do qual se presta louvor a Deus, além do mútuo auxílio comunitário (v. 16). Por fim, a alusão à obediência aos dirigentes (v.17) mostra a importância do apoio da comunidade a sua liderança, o que ilumina as situações de brigas internas nas comunidades de hoje entre membros e seus líderes, ou entre os líderes de pastorais entre si.
Assim, a Carta aos Hebreus se torna atualíssima em sua mensagem, principalmente com relação aos cristãos ameaçados de desânimo devido a incompreensões, fatos ruins e suas consequências no seio da comunidade. Daí a sugestão da Carta de um vivo aprofundamento na fé em Jesus Cristo.



 
Powered by Blogger